Existem algumas abordagens para calcular o preço justo de uma ação , também denominado valuation, tais como Fluxo de Caixa Descontado (DCF) e Modelo de Gordon, no entanto como envolve algumas premissas que não dependem unicamente do analista, como taxa de juros e inflação futura, perpertuidade, taxa de crescimento anual e etc, o resultado acaba sendo subjetivo.

Por essa razão, vimos piadinhas frequentes que consideram valuation como "chutation", ou seja, é apenas um chute do analista. No entanto, muitas previsões podem ser assertivas, especialmente quando se trata de empresas com um fluxo de caixa previsível, como transmissoras de energia elétrica, ao passo que uma empresa do ramo de siderurgia, por exemplo, possui um fluxo de caixa instável, uma vez que a demanda e preço é puxada por fatores macroeconômicos, políticos e etc. 

Nesse sentido e considerando a realidade do pequeno investidor, isto é, que não dispõe de muito tempo livre para fazer esses estudos ou que não possui recursos extras para contratar os serviços de casas de análises que oferecem carteira de ações indicando preço-teto de compra, existem algumas  alternativas que eu utilizo para avaliar se uma ação está barata ou cara, tais como: análise do múltiplo P/L,  comparação do P/L entre empresas do mesmo setor e P/L Histórico.

Múltiplo P/L 

À grosso modo, esse indicador nos diz em quantos anos o seu investimento será pago.

P/L é o quociente entre o preço de mercado da ação pelo seu lucro por ação (LPA).

Matematicamente, temos:

P/L = Preço / LPA

Para ter acesso aos Indicadores de Preço, Lucro por Ação (LPA) basta acessar alguma plataforma que forneça esses dados. Recomendo a excelente plataforma Pense Rico.

Vejamos como exemplo a ação do Banco Bradesco BBDC3.


Através do gráfico, podemos notar que o Valor de Mercado (V.M), que é o preço da ação multiplicado pela quantidade total de ações disponíveis no mercado, da empresa praticamente caiu pela metade. O P/L que estava em torno de 10, caiu para 5,95 e o LPA saiu de 3,36 para 3.

Percebam que o P/L e LPA são grandezas inversamente proporcionais, ou seja, enquanto uma cai a outra sobe. Esse movimento pode ser percebido no ponto final onde LPA chegou em 3 e o P/L subiu pra 6,82.

Desconsiderando a fórmula matemática e pensando logicamente, fica fácil entender. Se o lucro da empresa cai, consequentemente vai demorar mais tempo para seu investimento "se pagar", por isso o P/L aumenta.

Vamos analisar agora o comportamento da ação do Bradesco (BBDC3) diante dessa pandemia.

A cotação saiu do ponto máximo de R$ 32,75 para o ponto mínimo de R$ 15,68, em pouco mais de um mês (17 de Fevereiro à 23 de Maio), uma queda da ordem de 52%. 



Será que o mercado está precificando uma queda de pelo menos 50% nos lucros do Banco em virtude dessa pandemia e seus desdobramentos? Ou foi apenas uma reação exagerada do Mercado?

Analisando os Resultados 1T2020 Bradesco a queda no lucro líquido foi de 43%, no entanto o banco provisionou cerca de 2,5 Bi para cobrir possíveis inadimplências, porém caso esse valor não tivesse sido provisionado o lucro líquido seria próximo ao do 4T2019.

Aguardamos os resultados do 2T2020, onde teremos uma real dimensão da epidemia nos resultados do banco. De todo modo, ficou nítido de como a ação ficou atrativa nessa crise. Recuperar seu investimento em torno de 6 anos, é um excelente negócio.

Portanto, analisar o P/L associado ao LPA pode ser interessante. Se quiser refinar suas projeções, pode estabelecer um range de preço-alvo nas ações que você deseja comprar, por exemplo:

O preço de uma ação é encontrado entre a multiplicação do P/L pelo LPA, ou seja:

P (cotação) = P/L * LPA

Através dos dados disponíveis do Bradesco, temos:

P (cotação) = 6,82 * 3

P (cotação) = R$ 20,46.

Agora, baseado nisso você pode montar cenários de cotação, de acordo com projeções de P/L e LPA. Conforme abaixo:


Percebam que a cotação cai à medida que o P/L também cai. O que isso significa? Ao passo que o P/L diminui você paga menos numa ação e com isso, consegue comprar mais ações com o mesmo aporte.


Comparação do P/L entre empresas do mesmo setor

Outra forma de utilizar o P/L é comparando com os seus pares. Prosseguindo a análise no setor bancário, temos a relação P/L do ano de 2020 de cada uma das empresas à seguir:

  • Banco Inter (BIDI4) : 152,11
  • Itaú (ITUB3) : 11,44
  • Santander (SANB4): 8,22
  • Bradesco (BBDC3): 6,82
  • Banco do Brasil (BBAS3): 5,88
  • Banrisul (BRSR6): 4,86
Vejam o P/L absurdo do Banco Inter. Isso significa que o mercado está pagando um preço muito alto pela ação projetando que a empresa expanda seus lucros de modo significativo nos próximos anos. Pensando friamente, você acredita que o Banco Inter conseguirá atingir patamares de lucro tão alto ao ponto de você pagar um preço na ação cujo seu retorno será daqui à 152 anos? À medida que o lucro for crescendo, representado pelo LPA, o P/L irá cair, conforme vimos anteriormente, entretanto considero a precificação da ação extremamente exagerada. Sou cliente do Banco Inter, aliás, mas não penso em ser sócio da empresa, ao menos nesses patamares.

Por outro lado, temos o Banco Banrisul com o menor P/L, abaixo do Banco do Brasil. Um dos motivos é o fato de ambos serem estatais e o mercado acaba considerando um risco maior em ambos, nesse caso a cotação acaba sofrendo mais.

Por fim, dentre os "bancões" temos o Bradesco com a menor relação P/L. 

O que podemos concluir disso tudo? Você pode aceitar ser sócio do Banco Inter, apesar do P/L alto. Você também pode aceitar ser sócio do Banrisul e Banco do Brasil, assumindo riscos ou ainda se tornar sócio do Bradesco que no momento é aquele com menor P/L dentre seus pares. 

O objetivo aqui é entender que cada empresa possui seu risco intrínseco, mesmo estando no mesmo setor. 

Você acha mais arriscado investir numa estatal com P/L baixo, porém lucrativa e que será amparada pelo Governo em caso de dificuldades, ou num banco com P/L altíssimo cujos lucros atuais não justificam seu preço atual? Fica a reflexão.

Portanto, a comparação do P/L entre seus pares é importante tanto no aspecto quantitativo do preço das ações quanto na esfera qualitativa da empresa no que tange aos seus riscos. Entendendo essa relação, você será capaz de fazer bons negócios.


P/L Histórico

Por fim, outro recurso que eu utilizo é analisar o P/L Histórico de uma ação, ou seja, o comportamento desse indicador ao longo do tempo. Com uma visão bem abrangente podemos perceber em quais períodos a ação abriu uma janela de compra, seja por questões estruturais do mercado representado pelas crises ou algo pontual da empresa (fato relevante que não agradou o mercado, por exemplo).

Além disso, podemos obter um P/L médio da ação considerando x anos.

Vejamos um gráfico que ilustra a movimentação do P/L do Bradesco (BBDC3) nos últimos 10 anos:


Para facilitar, vamos assumir como referência o P/L médio sendo 10. Percebam que em 2013/2014  o P/L ficou oscilando entre 12,5 e 10. No entanto, em 2015 começou despencar em virtude da grave crise política e econômica que vivemos, alcançando o ponto mínimo no ínicio de 2016, próximo de 5. Após 2016 voltou a subir novamente, atingindo o ponto máximo em 2018 e com essa pandemia alcançou novamente o menor patamar.

Portanto, você pode utilizar o P/L médio como balizador ou até mesmo estabelecer um valor de P/L como alvo, de modo à comprar determinada ação quando a mesma estiver nesse patamar.


Conclusão

A intenção do post não foi desmerecer quem faz valuation e sim trazer uma opção de análise mais simples para o pequeno investidor pessoa física. 

Como costumo focar em setores mais seguros, com previsibilidade de caixa, esse indicador acaba sendo muito útil para mim. Obviamente que, os lucros de uma empresa podem cair vertiginosamente, aumentando o seu P/L, da mesma forma seus lucros podem aumentar, encurtando assim seu retorno.

De qualquer forma, o P/L é apenas um múltiplo que em conjunto com outros indicadores (P/VPA, P/EBIT e etc), podem revelar se determinada ação está ou não barata. Ressalto que analisar apenas um indicador isolado pode ser perigoso, o ideal é estudar a empresa, seu setor de atuação, suas vantagens competitivas, como ela faz dinheiro, a perenidade do negócio e etc.

Quem não quer comprar algo barato, principalmente ações? Acredito que quase todo mundo. Mas, a discussão de que preço importa ou não será assunto pra outro post.

Bons aportes!